sábado, 7 de janeiro de 2012

Qualquer lugar em março, part2.


(...)

Depois de um bom tempo que Mônica havia feito "nosso" pedido - levando em consideração que o lugar estava realmente cheio - a porção de batatas-fritas chegou quentinha e foi colocada sob nossa mesa. Ignorei totalmente o petisco saboroso, e continue me enchendo de Coca-Cola, dando longos goles cada vez que pegava meu copo. Não me lembro ao certo, mas entre um gole e outro, a conversa que nós quatro trassávamos foi ficando mais sombria. Mônica, enquanto mordiscava uma batata, começou a contar sobre alguns sonhos que tinha desde criança. Algo relacionado a uma pequena garotinha que, de repente, aparecia com o rosto deformado correndo atrás dela. Senti arrepios só de ouvi-la contar aquelas coisas, e olhei ao redor, tentando certificar-me que estava tudo bem, que não havia mal algum por perto. Pensei nisso, e tentei me distrair rindo com Nick sobre algum outro assunto, mas Julie estava interessada demais na história de Mônica, o que fez as duas continuarem com aquele assunto.

Falaram sobre o tal sonho até cansarem, e depois começaram a discutir sobre espíritos e outros planos astrais. Nada que eu realmente quisesse escutar ou tentar compreender, porém continuei na minha, observando e fazendo um ou outro comentário. Depois de muita conversa e de não existir mais uma batata sequer no prato, Nick se prontificou para pagar a conta. Cada um deu sua contribuição e ele foi ao caixa, enquanto nós fomos apressadas até o banheiro. Àquele assunto horripilante de minutos atrás ainda tamborilava na minha cabeça, fazendo-me sentir como se tivesse cinco anos de idade e acreditasse em lendas urbanas. Abri um sorriso amarelo, sentindo um frio correr na espinha, quando me dei conta que o toalete estava com algumas - muitas - luzes queimadas, deixando o ambiente mais sombrio do que meus pensamentos naquele momento.

- Estou com medo - comentei - Essas conversas sobre espíritos... E agora essa pouca luz? - Julie abriu um sorriso engraçado, como se estivesse rindo horrores por dentro, mas compreendeu.
- Vai. Usa logo esse banheiro que eu fico aqui segurando a porta - disse ela, como sempre me passando certa proteção apesar do jeito um tanto rude.

Saímos de lá depois de alguns minutos, encontrando Nick ao lado de fora, já a nossa espera. Mônica olhou no relógio de pulso e constatou que tínhamos tempo antes que o lugar - ao qual realmente queríamos ir para conhecer - abrisse. O único problema era como chegaríamos até lá. Uma vez que, além de distante da onde estávamos, não tínhamos carrou ou qualquer meio de transporte. Nem sequer um amigo que pudesse nos oferecer uma carona. Por sorte, ainda nos restavam algumas notas no bolso, e pensamos que talvez, se juntássemos nosso dinheiro, um táxi não sairia tão caro assim.

Em todo caso, era melhor andarmos um pouco pelas ruas por vários motivos. Primeiro porque tínhamos tempo. Segundo porque diminuiríamos o caminho até o tal lugar. E terceiro porque poderíamos conhecer melhor a cidade, olhar as pessoas nas ruas, e conversar um pouco mais. Então, caminhamos um ao lado do outro por um longo trajeto de grama, ao lado da avenida. Conforme caminhávamos, eu encarava tudo a nossa volta, e me sentia imensamente feliz por estar ali com amigos tão bons quanto àqueles. Conversávamos e ríamos, deixando o tempo sumir na escuridão da noite.

Atravessamos a avenida e fomos parar em um Hotel, decidindo que esperaríamos ali pelo táxi. Nick discou o número que havíamos conseguido em um posto qualquer, e passou o endereço de onde estávamos. Segundos depois, ouvimos um barulho de algo se chocar. Meu coração acelerou, e todos se olharam assustados. Percebemos que a alguns metros de nós, uma moto e um carro haviam colidido, e uma moça saiu desesperada do automóvel que estava com o vidro da frente todo quebrado.

Ela tinha um dos braços manchados de sangue, mas sua preocupação não parecia ser essa. Na verdade, ela não parecia estar com dor ou algo quebrado, e sim preocupada com o estado em que seu carro estava. Tentou segurar o motoqueiro que havia batido contra seu automóvel, apertando-o contra seu corpo, mas sua força não foi o suficiente para mante-lo presso. O homem - que mal conseguíamos ver o rosto - estava tão aflito e desesperado para fugir que a empurrou fortemente, levantou sua moto que apesar de quebrada ainda estava funcionando, ligou-a, e foi embora tão rápido quanto um fugitivo daquelas fugas polícias.

Assisti toda a cena sem me mover, piscando algumas vezes para ter certeza de que aquilo era real, de que nós havíamos presenciado uma batida, uma fuga, e agora uma mulher desolada, gritando ao telefone, em uma esquina qualquer. Ela queria justiça. Queria que aquele cara pagasse pelo que fez, e apesar de eu não saber quem era o certo ou errado nessa história, sabia de uma coisa: ele havia fugido. O que nos levava a crer que algo de errado ele havia feito. Porque como já dizia o ditado popular: quem não deve, não teme. E ele, com certeza, temia. Mas isso não era assunto para um de nós - jovens, ainda menores de idade - se preocupar. Pelo menos não na minha visão de mundo, onde cada um cuida da sua vida e do que lhe pertence. De fato, eu nunca tive um instinto muito "salvador da pátria", e preferia deixar os problemas alheios para que seus próprios donos o resolvessem, a não ser claro, que me pedissem ajuda.

Nesse caso, a pobre mocinha do carro amaçado não estava pedindo a ajuda de nenhum de nós, e se pedisse, eu não sei no que poderíamos ser útil, uma vez que não havíamos anotado placa alguma. Continuei parada, com as unhas na boca, em um típico ritual de nervosismo.

- Que horror - disse Julie, ao meu lado, encarando a cena com os braços cruzados.
Concordei com a cabeça, e nesse momento Mônica se pronunciou dizendo que precisávamos fazer alguma coisa.
- Alguma coisa o quê? - perguntamos.
Analisei novamente a situação, percebendo que outra mulher - provavelmente amiga da moça - acabara de chegar para ajuda-la. Pensei por mais alguns segundos, e neguei com a cabeça, vendo Julie fazer o mesmo.
- Eu vou - disse Nicollas.
Então, ele e Mônica atravessaram a avenida e foram até as duas mulheres, prestarem sua contribuição para vai saber-se lá o quê.

Virei meu rosto para o lado, e abri um sorriso sarcástico.
- Preciso dizer algo?
- Não. Estou pensando a mesma coisa que você, tenho certeza - Julie tinha uma cumplicidade no olhar ao falar comigo. Eu sabia que nós tínhamos o mesmo ponto de vista.
- Desnecessário - sussurrei ao vento...
Ainda que descordasse da atitude "solidaria" de meus amigos, por ter a convicta certeza de que nada adiantaria, e por saber que aquilo se tratava mais de "mostrar" ao mundo o quão bom eram do que realmente em ajudar alguém; ficamos esperando os dois retornarem para que finalmente pudéssemos sair dali.

Por sorte não demorou mais que uns cinco ou dez minutos, tempo exato para que nosso táxi chegasse.

(Continua)

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